ODE AO 25 DE ABRIL
Agora que comemoramos o 40º aniversário do 25 de Abril e, em
simultâneo, o da criatividade (21 de Abril), achámos apropriado tecer algumas
considerações sobre a criatividade, a liberdade e a sociedade contemporânea.
E a dúvida que
mantemos é se ela (a sociedade contemporânea), se está a aproximar da meta da
democracia plena, ou se, por mais estranho que pareça, está a afastar-se dela e
a criar as condições para a emergência de um novo regime autoritário. Não
talvez um autoritarismo de Estado como aquele que deixámos com o 25 de Abril e
muito menos como os que provocaram a II Grande Guerra, mas um outro mais
sub-reptício, próprio da sociedade pós-moralista, individualista e mediática em
que vivemos, que parece, por vezes, não ter outro horizonte senão o liberalismo
político e económico, mais ou menos ordenado, que favoreça a livre troca e o
consumo, muito reforçado pela força dada pelos eleitores europeus a uma
política neoliberal e conservadora, nas votações de 2009, numa tendência que
decerto se irá manter nas eleições que irão ocorrer em 2014. Uma sociedade liberal com algo de Estado
Social, que a legitime intelectualmente, fazendo as pessoas aceitar a aventura
capitalista com um mínimo de segurança. Isto mesmo apesar de já ninguém levar a
democracia e a justiça a sério, pois já deixámos de acreditar nas elites e
entrámos na passividade da maioria, gerada pela forma parlamentar, aceitando
assim um poder cada vez mais forte do Estado e do Executivo, facilitado pelo quase
estado de emergência. Sendo assim, teremos, talvez, um “futuro hegeliano”, uma
espécie de capitalismo com valores asiáticos, numa sociedade civil organizada
em torno de domínios privados e mantida sob um Estado autoritário, agora sem o
equilíbrio da Esquerda, incapaz de apresentar alternativas e sentindo-se
culpada por ter sido apanhada em falso.
No fim só a atitude
criativa perante a vida garantirá a essência da democracia como forma social de
procura da felicidade humana. E essa
atitude acontece na plena afirmação do indivíduo como original e diferente de
todos os outros, fiel à sua natureza humana, que o leva a procurar o Bem e o
Melhor, para si e para tudo o que o rodeia.
Cada indivíduo é único e transporta consigo a potencialidade de criar
algo novo, diferente e inesperado, a partir da sua experiência subjetiva; de
utilizar a sua imaginação criadora para a construção do sonho e do Belo,
libertando-se da objetividade do mundo e do sofrimento causado pela consciência
da morte. É que a resistência à
frustração do dia-a-dia depende da capacidade do indivíduo em criar ilusões,
isto é, de a partir das crenças em sistemas coletivos, criar os seus próprios
significados e símbolos para interpretação da realidade. Assim, cada momento da existência envolve um
ato criativo e a busca incessante dessa interpretação da realidade confere ao
indivíduo uma razão de existência e a capacidade de suportar as contrariedades
exteriores.
Do que escrevemos, é
importante que não transpareçam reticências quanto ao valor da democracia como
doutrina política ideal mas sim quanto às próprias limitações do ser humano,
cuja ambição desmedida acaba por promover um terreno propício ao cultivo do
instinto, em vez da inteligência, e da mediocridade, em substituição da valorização
do ideal. E são essas próprias
limitações que o levam a dizer sim aos totalitarismos, face à corrupção dos
sistemas político-partidários de cariz democrático, que se viram cada vez mais
para si próprios, à medida que vão perdendo a ligação com a base donde era
suposto provirem. É por isso, também,
que se torna cada vez mais importante que surjam movimentos sociais
alternativos de contra-poder, que promovam o reconhecimento e a proteção
daqueles que procuram manter o ideal de perfeição.
A reunião de
cidadãos à volta de projetos cívicos, com objetivos tão simples como a promoção
do respeito pelo indivíduo, no cultivo dos valores originais da democracia,
constitui uma iniciativa pedagógica da máxima importância para evitar a
tendência crescente para o avanço das ideologias egoístas. Sistemas que proporcionem um terreno
favorável à ligação entre a criatividade individual e o empenho das pessoas em
pertencerem a comunidades onde possam partilhar os seus ideais e onde possam
manter viva a capacidade de indignação perante a perversão social e política
desses mesmos ideais.
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